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quinta-feira, 2 de abril de 2009

Filhos da Noite Escura

VIII
Hoje senti-me um filho da mãe... Só porque pensei nos outros.
Naqueles que são os filhos da noite escura em busca do dia claro.
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Pensei sobretudo na forma (que quase se tornou elegante, de tão higiénica que é) de virar a cara para o lado oposto às coisas feias do mundo. Não decidi ainda se é por excesso de ocorrência dos fenómenos, se pelo sensacionalismo com que vendem essa sinistra capacidade, própria da espécie humana, de criar horror.
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Assaltou-me esta ideia ao deparar-me com a minha própria quase indiferença ao assistir a (note-se a expressão) MAIS UM atentado à bomba nesse longínquo Médio Oriente.
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De tal maneira que nem sei precisar se foi em Gaza, se aqui, se ali.
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E é assim porque, secretamente, penso que está tão longe de mim, da minha Lisboa, e que já dura há tanto tempo (o estado de Israel foi implantado na Palestina, em Maio de 1948, por imposição das Nações Unidas) que as pessoas que vejo na reportagem já quase nem são bem pessoas. São como figurantes de um filme que, no fim do programa se levantam, sacodem a poeira e as feridas, e vão para casa brincar com os filhos.
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...A peça acaba. E não despertam. Não há espaço para mais nada a não ser a tristeza dos que os rodeiam que, cedo, dá lugar à angústia - e essa - não levanta senão revolta. Viciosamente.
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Mas não são, infelizmente, os únicos.
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- Há ainda os segregados, ostracizados nos modernos ghettos democráticos dos países que os acolhem. Que esquecem, quando não é preciso mais mão-de-obra barata, que estas pessoas continuam a existir, a precisar de comer, de agasalhar, de sobreviver. Mas mais do que isso: que precisam de dar de comer, de dar agasalho, de possibilitar aos filhos ser mais bem-sucedidos. Melhores cidadãos numa melhor sociedade.
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- Há aqueles que, até à década de 60, nos Estados Unidos, eram menosprezados, diminuídos, negados dos seus direitos de igualdade, e que agora elegem o primeiro presidente negro - mas que continuam a sentir o peso de uma herança social ainda muito enraizada, que se recusa terminantemente a ceder.

- E na memória, ainda muito viva, está África do Sul e o seu selvagem Apartheid. Onde seres humanos viveram horrores, até virarem a pulso a década de 90. O que não significou necessariamente mais justiça, mais formação, mais emprego ou melhor cidadania.

- E que dizer, do Brasil de Getúlio Vargas e sua ditadura militar. E os Esquadrões da Morte, que no fundo nem era bem os marginais mais perigosos que eliminavam, mas sim bandos de crianças, forçadas à delinquência pela fome e a falta de alternativas.

- E o genocídio silencioso, escondido no caos da Somália. Condenando gerações inteiras, quer pelas mortes impiedosas e recorrentes, quer pelos traumas profundos e desastrosos de presenciá-las. Tudo isto sob os braços cruzados da ONU, que se revela mais lenta na ajuda a este povo do que na invasão do Iraque.

- Não sei até quando vamos conseguir esta tenebrosa proeza de esconder a cabeça na areia. De desviar o olhar, de achar que é longe demais, que já não nos afecta a sensibilidade.

Foi por ter pensado a sério em tudo isto que me senti um grandessíssimo filho da mãe.
Foi quando, finalmente, tirei o pensamento do meu próprio umbigo, que percebi quão mesquinhos eram afinal os meus problemas.

No fundo sou um privilegiado. Pela vida pacata e tranquila que levo. Por estas coisas simples que banalizo, como o conforto de uma casa, da electricidade, da água corrente. O facto de ter comida abundante e calor. Poder conversar tranquilo com os meus amigos, na rua. Conduzir o meu carro livremente. E ir dar um mergulho no mar. Tomar um café, fumar um cigarro, falar alto, não ter rede no telemóvel, dançar, cantar desafinado. Em liberdade.

Eu, quando me levantar daqui, do meu lugar, vou abraçar a minha mulher. Vou dar-lhe um abraço mais longo, mais apertado.

- Preciso de sentir a paz que há nisso.

E se tivesse filhos, ia olhar para eles, vagarosamente, e perceber em silêncio como as crianças são o melhor do mundo, em todo o esplendor da sua inocência mágica!

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1 comentário:

  1. Sonhar é algo existencialmente essencial.
    O sonho se constrói passo a passo...
    É preciso ter coragem de sonhar, porque é preciso coragem para ousar...
    É preciso correr risco,
    errar ou acertar...
    Sonhar implica em, dar-se conta
    das inquietações do presente,
    das perguntas às vezes silenciadas,
    dos desejos adormecidos...
    Sonhar implica em ver diferente a si mesmo,
    ao outro, a realidade...
    Sonhar é quase decisão,
    porque determina no presente,
    o futuro...
    Sonhar é uma forma de olhar...

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