XXX
Era um Domingo chuvoso, cálido, abafado. Esse dia que havia de estar destinado ao clash de Titãs, há muito aguardado por ambos.
A festa decorria, alegre, colorida, com a natural azáfama. O cheiro das iguarias invadindo a Villa, os balões, as fitas, as correrias das crianças. Os convivas que deambulavam sorridentes, alheios à carga emocional dos momentos que antecediam o embate.
A festa decorria, alegre, colorida, com a natural azáfama. O cheiro das iguarias invadindo a Villa, os balões, as fitas, as correrias das crianças. Os convivas que deambulavam sorridentes, alheios à carga emocional dos momentos que antecediam o embate.
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À chegada, Capitan Felipe e Juanita são recebidos com carinhosos abraços pelos simpáticos anfitriões: A elegantérrima "mamacita" Paola, e "la hermosa" Monica Menezes. Madalena dormia, no seu vestido de algodão, ao sabor da brisa doce do início da tarde. Antonio, seu viejo amigo, acena convidativo, do fundo das escadas. Santiago, o pequenino aniversariante, grita-lhe entusiasticamente:
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- Compañero...
- Feliz cumpleaños, my hermanito!
- Gracias. Vem. Tens de vir ver la fiesta. - disse-lhe, abrindo um sorriso, e tomando-lhe o braço dedicadamente.
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Ao avançar sobre a varanda, rodeado por seus companheiros, está o señor Manuel Tomaz, patriarca da família. Alto, barrigudo, de cabelos grisalhos e bigode. Homem amável e senhor de uma sabedoria formidável. Daquelas que só a experiência da vida, vivida em pleno, pode dar.
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- Hombre, que seas muy bienvenido. Venga, toma una taza de vino.
- Gracias, señor Tomaz. Com este calor aceito toda a frescura.
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O ambiente não podia ser melhor, mais festivo, mais agradável. Era como um banho de boa disposição que contagiava. Todos irradiavam tranquilidade. Todos. - Mas ele não. Ele, muito especialmente, não.
Roía-lhe silencioso, um desassossego miudinho no estômago, que calava ao sorver da enxovia morna entre frugais goles de vinho.
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Foi cá fora, já sentado na poltrona, entre conversa animada e risadas com Tomaz que sentiu aquela presença. Como um vulto, bailando por entre as gentes. Como uma bruma que vem descendo do céu sobre a última luz do dia. Olhou de soslaio, sobre o seu ombro esquerdo, e lá estava ele: Rindo. Cumprimentando calorosamente alguns dos convidados. Os seus olhos negros líquidos, dardejando, mortificavam-no. E à medida que se ia aproximando dele, a temperatura aumentava, tornava o ar quase irrespirável.
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Foi Antonio, amigo de ambos e padrinho deste inevitável duelo, quem fez as honras de os apresentar. A sua voz tremeu, num tom grave, quase apagado, enquanto dizia: Felipe, este é Pedro Caetano. Pedro, este é Felipe Pinto. E, de pé, ambos, de olhos nos olhos, fitando-se longamente, avançam um para o outro.
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É impossível dizer qual deles sacou primeiro da mão nervosa. Quem antecipou a contracção do braço direito e depois o esticou, com os dedos hirtos, apontando na direcção um do outro. Dir-se-ia que foi místicamente em simultâneo. A verdade é que chegaram ao mesmo sítio, ao mesmo tempo, com a mesma intensidade. E selaram num aperto de mão viril, cheio de personalidade o profético encontro.
Durante aquele instante, todo o tempo parou. Os olhares apreensivos de quem os rodeava, os cochichos, as ânsias, os temores, as respirações, tudo cessou por momentos.
O mundo inteiro parou de girar, enquanto perdurava aquela invasão áspera da alma ígnea de um e outro.
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Uma bola de feno rolava na terra batida, ao fundo. O assobio do "O Bom, O Mau e o Vilão" ressoava nas paredes da Villa. Tudo o resto tinha ficado suspenso no ar, inerte, amorfo, imóvel.
O momento não podia ser mais tenso, a atmosfera mais carregada.
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E, como que por magia, nasce - ali mesmo - no deslizar das mãos para fora daquele cumprimento seco, uma estranha empatia. Do confronto iminente destes dois Titãs quase bíblicos, nasce - não um ódio profundo, nutrido pelo ciúme e a intriga a que estiveram sujeitos desde antes de se conhecerem - mas uma sensação que os toma de assalto, de sobrenatural familiaridade.
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O silêncio pesado que se tinha instalado, como a cortina do final do acto, é desvelado agora docemente, pela voz de António, que - ao ver o incrível do sucedido - os desafia: "Venga, entonces, mis hermanos. Bebamos como se não houvesse amanhã. O que aconteceu aqui hoje, só podem ser artes mágicas... ha ha ha! - Longa vida, mis hermanos. SE HAGA FIESTA".
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E pelo dia fora e a noite dentro, pois bebeu-se e comeu-se e festejou-se, como já há muito não se via, naquela Villa. Todos estavam felizes. Felipe e Pedro brindavam e riam alto, e contavam estórias, e falavam das suas aventuras. Quem os visse, jurava que eram como irmãos. Que se tinham conhecido toda a vida!