XXXXIV
"Ah, Leão!" dirão alguns em altos brados...
e com toda a razão o podem fazer!
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Um feriado a uma Terça-feira é sempre uma coisa agradável - quanto mais não seja porque nos proporciona um inusitado tempo livre para extravasar excentricidades (dado que estamos no Carnaval) - e portanto, nada melhor que acordar cedo, tomar um bom pequeno almoço a roçar o brunch e "meter pés ao caminho", que é como quem diz sentar o rabo na baquet da novíssima Peugeot 207 Sw, ainda com cheirinho a carro novo, do líder desta macacada!
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(não a do mítico cavalo, mas a da Península de Setúbal)
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Atravessar a ponte Salazar/25 de Abril com total tranquilidade, faz-nos pensar que os modestos 80 Km/h a que circulamos é uma velocidade quase ultrasónica - por ser impensável praticá-la - em qualquer outro dia da semana, neste local. A estrada é boa, chuvisca porém - mas o trânsito flui como um bailado magnânime. Tudo parece bonito - mesmo o monstro de betão a que chamam Almada Fórum, que testemunha silenciosamente quem atravessa a ponte!
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Seguimos pela auto-estrada em direcção a
Grândola, a vila morena que Zeca cantava! Premiados com clima instável que ia rodopiando pelas quatro estações, até esse paraíso terreno da Costa Azul! Estacionou-se num lugar para deficientes - só para chatear - uma vez que não havia um único carro num raio de (seguramente) 800 metros. A marina chocalhava os barquitos irregularmente. A chuva miúda acinzentava a luz que, em qualquer outro dia, espelharia a quantidade exorbitante de vidro daquele
resort muito
in. Pouco mais nos restou que tirar quatro ou cinco fotos a um gato malhado muito dócil, que ia dando turras na paliçada e uma gaivota resignada na areia, olhando um pescador no mar azul profundo, à distância.
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À vinda decidimos almoçar (às 15h30) num restaurante rústico, com madeiras curtidas pelo tempo e vista para a água. Viam-se, pelas grandes janelas, duas cegonhas que insistiram em fazer o seu ninho em cima de um semáforo apagado pelo tempo e o vagaroso desuso!
D. Bia serve de panela na mesa, e em farta medida, umas massinhas de garoupa, arroz de lingueirão e mais umas quantas iguarias piscicolas que, para os apreciadores, se revelam experiências quase orgásmicas, tal é a frescura dos alimentos!
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Abasteceu-se convenientemente a carrinha e fizemo-nos à estrada. Passando pelas mais díspares e minúsculas localidades, numa paisagem sempre pontilhada de verde por entre a chuva, não se cruzava mais do que um carro a cada 10 km. Deslocando-nos pelo interior, em direcção à Lagoa de Sto. André, a certa altura deparamo-nos com uma pequena placa apontando à esquerda para um monumento da Idade do Bronze: "Cistas das Casas Velhas"!
Invadidos pela curiosidade antropológica decidimos ir investigar...
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Arremessamos destemidos, por entre os sulcos do caminho de terra batida acima, onde a certa altura já só o instinto nos guiava pela estrada (?) sinuosa e lamacenta sem uma casa à vista há já 3 km. Numa descida arriscada encontramos a estrada alagada pelo excesso de pluviosidade que fizera transbordar um tanque enorme de rãs saltitantes. Enchemo-nos de coragem e atravessamos a ribeira que se tinha formado! Seguimos em frente, e cada vez mais penetrando a mata que se erguia a toda a volta. Quando de repente, nos assalta uma vontade tremenda de... fazer xixi - pois é - acontece aos melhores, e os Macaquinhos não fogem à regra.
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Ora, pensando - desadequadamente - como citadinos, a ideia foi encostar o carro (como se fosse passar por ali mais alguém) para não "estorvar aquele caótico fluxo incessante de trânsito"... Mas, mal pomos uma das rodas fora do estreito caminho esburacado, sente-se uma suavidade anormal a sugar-nos... (onomatopaicamente seria um: "shlehc" (ou coisa do género); graficamente seria enterrar uma colher em chocolate derretido)!
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Enfim, até aqui já percebemos do que se trata, mas - pensamos nós - ainda temos mais três roditas - vai ser relativamente tranquilo - ora, mal se engata a marcha atrás e se dá um suavíssimo toque no pedal observa-se o que seria uma batedeira a distribuir pedaços esvoaçantes de lama por todo o lado - é oficial - os Macaquinhos estão atolado no meio do mato!
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Tentou-se de tudo: ele era ramos (todos lisos e encharcados pela chuva) para tentar calçar o leãozinho assustado, na expectativa de alguma aderência, o que quer que fosse. Ele era empurrões deste lado - agora do outro, lama até aos tornozelos, puxões - "acelera agora", orações, alavancas, blasfémias, providências divinas expresso - o diabo a quatro feito num oito. - Nada funcionava!
- "Não há mais nada a fazer. Está a anoitecer. Estamos atolados no meio do mato. E sozinhos não somos capazes."
De orgulho ferido, o macaco das barbas decide ligar para a assistência em viagem:
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"Se já é nosso cliente: marque 1.
Se não é, mas quer ser: marque 2.
Se é, mas não quer ser mais: marque 3.
Para todos os outros assuntos: marque 9"
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- E, finalmente: depois de dizer a marca, o modelo, a série, a matricula, o combustível, a cor dos estofos, os componentes por ordem alfabética da liga do chassis e a raíz quadrada de 923, disse que nos punha em contacto com o reboque, e respiramos de alívio.
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E só ao segundo telefonema é que nos ocorreu, quando nos perguntaram... a nossa localização!
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Esta é boa: a localização! - algo que seria tão simples como olhar para a placa da rua onde estamos, ou dizer que é perto do Minipreço, ou da marisqueira Freitas... ali de nada serve dizer que estamos junto ao eucalipto tal, quem vem de frente para o sobreiro X. E não podiamos dizer simplesmente - vontade não faltou - que estavamos no meio do nada.
Então mentalmente tentou-se reconstruir os caminhos - mas quais caminhos? - é que às tantas já só se seguia por instinto: "vamos por esta? - não, não... por aquela"...
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O primeiro telefonema (18h10):
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- Tô... daqui é o rapaz do reboqui!
- Boa tarde, daqui é Macaco de Tal, estou aqui com o carro atolado (...)
- Atã vamos lá vere s'á gente s'entendi - adonde é que você tá?
- No meio do mato - a bem dizer - tá a ver as Cistas das Casas Velhas?
- Ai nã sê o que é isso! Mas isso é aqui em Sto. André?
- Eu não estou em Sto. André - estou nas Cistas - ou perto delas!
- Atão mas na há nada aí para me orientari?
- Há! Chamam-se CISTAS! DAS CASAS VELHAS! - uma estrada ao lado d'Os Chapinhas (...)
- Isso assim nã conheço. Mas olhe, o senhor passô pelo restaurante Coiso?
- Não! O único restaurante que passei antes deste era o Caverna do Tigre (...), conhece?
- Ai, atão nã havera de conheceri.. ê já tênho uma idéa mais é looonge daqui... ê já lhe ligo.
- Olhe ligue para o outro telemóvel que este está a ficar sem bateria...
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O segundo telefonema (18h35):
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- Tô? Sou ê outrá vez!
- Oh... a sério?
- O quêiii?
- Nada, nada... e então?
- Atãm onde é que o senhor táii?
- No mesmo sítio de há bocado - ainda não me fui embora!
- Pois, tem razão. Mais olhe - eu já aqui tô! Como é que ê vô pra aí?
- Olhe vá pela estrada (...) e depois no tanque que alagou a estrada há uma curva apertada à direita, que sobe muito... nós estamos mesmo aí à frente uns 700 m!
- Pois, atão ê já tô a ir praí, tá bem? Nã saia daí!
- Então agora vou ter de esperar aqui por si? Chove que se farta...
- Nã tô percebendo!
- Ó homem, eu tou atolado com o carro - não posso ir a lado nenhum, pois não?
- Pois não - ê já vô praí! já já!
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O terceiro telefonema (18h53):
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- Tá lá? É o rapaz do reboqui ôutra vez! Tá tudo beiim?
- Estava bem melhor se estivesse seco, em Lisboa, sentado no sofá a ver o "Sozinho em Casa" pela trigésima segunda vez... mas bom! E então como é que é?
- Pois... atã ê já tô mêmo mêmo aqui... e já falei com os seus colegas!
- Ah que maravilha! ...espera aí? falou com os meus colegas? ...mas quais colegas?
- Aqueles além, os dos jipis... já me disserem aondi é que vocês estãm!
- Pois... isso é muito bom mas, esses senhores não são meus colegas, e nós não vimos jipes nenhuns a passar por nós! Tem a certeza que está no sítio certo?
- Pois, atã, ê acho que sim. Ê até pareci que já vos tou a veri!... nã vê as minhas luzes?- Eh pá, eu não vejo nada... tem a certeza que está no caminho certo?
- Siiim, pois! Veja lá que ê vô ligar os máximos... já me viu?- Nada... não vejo nada... só chuva, lama, árvores por todo o lado e o tempo a passar!
- Atã, mas tem de sair do carro, senão nã vê nada, homém... veja agora, que agora já tô mais perto!- Ó homem, não vejo luzes nenhumas. Além disso o carro é dos novos, já vem com vidros transparentes que servem precisamente para ver para fora sem ter de me molhar.
- Atâ mas nã tem luzis, o carro, é?- Não, este não traz luzes nenhumas, que isso era mais caro!... CLARO QUE TEM!, e estão ligadas desde o primeiro telefonema... máximos, piscas, luzes interiores... até a do porta-luvas, caramba!
- He he he... tá bêim... mas ê nâ consigo ver a do porta-luvas... nâ é preciso! Então nã fique nervoso, hómem, que já se resolve... ê vô ver se o oiço - ora buzine lá para eu ir atrás do som...!
- O senhor devia dedicar-se à poesia, "vai ver se me ouve", f#$%-se.. (buzinando) consegue ouvir-me?
- Nâ oiço nada... já tá buzinando? Nada!... deixe-me só baixar a música aqui, um bocado! Buzini...
- Como é que me quer ouvir se está dentro do reboque com a música ligada, homem, caramba?
- Nâ, ê já desliguê a música... ALTO, parece que o tô ouvindo.... ahhh era do telefoni, he he he!
- F#$%-se.. não é possível... isto deve ser para os Apanhados! Oiça, buzine o senhor também, "a ver"!
Olhe, parece que sim, estou a ouvi-lo... e parece que está muito perto. Descreva-me onde está...
- Pois, ê tô aqui num tanque, antes duma curva grande...
EM CONSTRUÇÃO